Por uma discussão mais profunda sobre métricas — e pageviews

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6 min readMar 28, 2016

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por Rafael Sbarai, jornalista, mestre em Tecnologia e Mercado, integrante da equipe de produto do GloboEsporte.com e professor dos cursos de pós-graduação e graduação de Comunicação da FAAP

Nos últimos dias, o centenário The Washington Post e o quase decenário BuzzFeed travaram uma silenciosa discussão que merece um som estrepitoso. A publicação, adquirida em 2013 por Jeff Bezos, fundador da Amazon, e ícone da inovação no setor, publicou em seu competente espaço dedicado à promoção e (excelentes) resultados de seus produtos que havia ultrapassado o BuzzFeed em audiência, sob a ótica dos pageviews. O fato produz uma luminosa interpretação sobre a maior moeda digital — o retorno sobre a audiência — e é mais um sinal evidente do abismo que é criado entre inovadoras companhias de tecnologia das demais — principalmente as originalmente de mídia.

O enredo que reúne os concorrentes tem um protagonista: a empresa de métricas comScore. Segundo dados relativos ao mês de fevereiro, o The Washington Post obteve 890 milhões de pageviews, seis milhões à frente do BuzzFeed. A CNN é o produto jornalístico com o maior número de pageviews no país, com 1,4 bilhão de pageviews. Os números do WaPo são acrescidos aos 73 milhões de visitantes únicos e a um incrível tempo médio de 17 minutos entre seu site e aplicativos. O crescimento tem explicação: demanda sobre assuntos políticos em virtude da aproximação das eleições presidenciais americanas, além das sofisticações implementadas à redação.

O anúncio de mais um recorde, no entanto, vem acompanhado por uma questão nada desprezível: ao comparar páginas visualizadas entre seus concorrentes, é possível sentenciar que The Washington Post é mais popular que o BuzzFeed — fato que o próprio WaPo teve a diligência de não fazer, mas decisivo, hoje, sob a ótica comercial?

O quadro acima, baseado em pageviews, convida à reflexão sobre quais métricas devem ser ignoradas ou alçadas ao posto de ideais para fortalecimento de marca. É necessário lançar luz onde as sombras teimam em avultar: produtos digitais têm informações cada vez mais precisas e, por ora, dinheiro inferior a outras plataformas de comunicação. A nuvem da desconfiança sobre o impacto por resultados permanece.

A discussão acerca do pageview é antiga, mas segue como um indicador que o mercado não despreza, mesmo com a capacidade de tornar-se um anabolizante virtual em que cliques a galerias, listas — muitas delas descompromissadas e fora de contexto — , e bots ganham corpo e transformam a audiência em uma aritmética elementar. Seu enfraquecimento, no entanto, é ilustrado por inflexões: já há quem desenvolva métricas próprias. E tal movimento — nobre, ressalte-se — , talvez, seja o pior dos caminhos a se trilhar, uma vez que o mercado ganha uma complicada tarefa: comparar produtos com resultados completamente diferentes.

Enquanto o debate sobre a concepção de novos produtos é feito em altíssima velocidade, a padronização e discussão por um indicador que transforme dado em moeda digital se arrasta em velocidade de conexão discada.

O BuzzFeed é um dos pilares desta mudança. Diz Dao Nguyen, publisher da companhia, em um post publicado há poucas semanas. "A web já não tem mais uma métrica para governar todos os dados de audiência". De fato. Enquanto o debate sobre a concepção de novos produtos é feito em altíssima velocidade, a padronização e discussão por uma moeda digital se arrasta em velocidade de conexão discada. A publicação criada por Jonah Peretti em 2006, no entanto, quer mudar o cenário.

75% do conteúdo do Buzzfeed acontece fora do site deles

Com uma ambiciosa estratégia, o BuzzFeed promoveu mudanças no campo do conteúdo ao abraçar com intensidade a tática de ser menos uma empresa de conteúdo menos centralizada e mais distribuída. Seu engenhoso e agressivo método se baseia na publicação nativa às plataformas (frienemies) Facebook, Snapchat e YouTube. A conclusão da ação é óbvia: não é possível medir sua audiência apenas pelas visitas diretas à sua matriz. Foram necessárias mudanças e ajustes para mostrar sua força ao mundo.

Os resultados da popularidade de seus conteúdos são medidos por meio de uma combinação de matrizes entre as plataformas em que distribui seu conteúdo. A mudança de perspectiva tem nome — re-anchoring (sem tradução) — e se dá em função à dificuldade da comScore de analisar visitantes únicos por meio de web, aplicativos, Instant Articles e visualizações de vídeos no YouTube apenas por desktop. Hoje, segundo o BuzzFeed, os relatórios produzidos pela comScore baseados em visitantes únicos nos Estados Unidos não incluem pessoas que assistiram aos vídeos do YouTube por meio de dispositivos móveis — ignora-se assim, há algum tempo, mais da metade dos usuários da plataforma. Outra ausência que não merece ser desprezada é a audiência proveniente de vídeos nativos do Facebook, Snapchat (em sua seção Discover), Instagram, Tumblr e Vine.

O tortuoso caminho veio acompanhado por obstáculos a serem eliminados. Ao unir plataformas, não há integração de métricas — a definição de visualização para Facebook e YouTube, por exemplo, são completamente distintas. Para solucionar o ruído, a talentosa equipe de cientista de dados tratou de encontrar uma interseção entre os produtos para medir alcance e impacto. Hoje, a montanha de números se resume a um indicador: visualização de conteúdo (content views), operação orquestrada pela soma de listas, artigos, ilustrações e vídeos consumidos por seus leitores, com exceções às visualizações à página principal ou links relativos às promoções em redes sociais. Estes itens se juntam a outro importante elemento — alcance — , medido pelo número de assinantes às newsletters, aplicativos e leitores que consumiram vídeos no Facebook e Snapchat. Diz Nguyen: "a estimativa é que o número que a comScore apresenta seja apenas 20% do total da audiência que alcançamos no mundo". O desafio de deixar os muros da comScore para abraçar o mundo tem explicação por um dado que salta à visão e merece destaque: 35% da receita do BuzzFeed já é alcançada por meio de vídeos. É a moeda digital.

Outros produtos seguem caminho semelhante e se aproximam cada vez mais da rota de tempo consumido. O Medium curvou-se ao tempo gasto de leitura por meio do indicador TTR (Total Time Reading ou Tempo Total Lido, em português). O mesmo fez o Upworthy, que atribuiu minutos de atenção (attention minutes) para identificar o valor de um conteúdo publicado. Estas estratégias são ancoradas por Tony Haile, CEO da ChartBeat, empresa que possui um eficiente serviço de mensuração de conteúdo. "Chegou o momento em que os anunciantes deverão acompanhar métricas cada vez mais específicas. O tempo gasto em uma página é um destes elementos", afirmou à publicação TIME. A versão americana do britânico The Guardian segue o mesmo caminho.

Os passos dedicados ao tempo consumido por conteúdo é completamente distinto do app Breaking News, feito para rápido consumo de notícias. Explica Cory Bergman, seu cofundador: "nós focamos em quanto tempo o leitor ‘salvou’ para fazer tantas outras tarefas no dia". Breaking News, Upworthy, Medium, The Guardian e seus concorrentes duelam digitalmente por uma nobre razão: a distração dos maiores interessados, os leitores.

A confusão por maior integração das empresas de mídia para fortalecer seus produtos e unificar um indicador oficial já foi criada. É mais uma grande oportunidade oferecida e escancarada aos olhos de gigantes invejáveis solucionarem problemas. São os casos de Facebook e Google. Em um passado recente, as companhias apresentaram eficientes soluções para aumentar a velocidade de carregamento das páginas da web nos celulares, melhorando a experiência de navegação dos usuários. Accelerated Mobile Pages (AMP), do Google, e Instant Articles, do Facebook, são atores que, de coadjuvantes, tornaram-se essenciais elementos para atender a crescente demanda de leitores. Uma página no IA com uma conexão média demora, em média, 0,3 segundos para ser carregada, enquanto um site de notícia leva 3,66 s. A solução vem acompanhada por satisfação. Nos últimos dias, a publicação francesa Libération publicou um interessantíssimo relatório mostrando por que é importante fazer parte do Instant Articles.

"Algumas coisas precisam mudar, para que continuem as mesmas"

Paulatinamente, as companhias mais ágeis e que apresentam soluções rápidas concentram um mercado em que antes não havia um dono sequer. Tancredi, sobrinho do príncipe Alain Delon, talvez seja um dos personagens mais citados no universo do Jornalismo sem receber o devido crédito. Sua célebre sentença "algumas coisas precisam mudar, para que continuem as mesmas" não sai das redações. É a hora de mudar.

Foto: Sebastian Sekora, BuzzFeed

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Journalist, Digital Product Manager at @CartolaFC (@RedeGlobo) and Fantasies Games, Business Model And Digital Journalism Professor at @FAAP and @CasperLibero